quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Ainda o "cochicho": segredinhos pela UE...


Muito se comentou, País fora, a conversa dos dois ministros das Finanças, de Portugal e da Alemanha, há uns dias, lá pela sede da UE. Se bem se lembram, foi um diálogo, ou antes, um monólogo do alemão com uns "sim senhor" de abanar de cabeça do nosso Vítor Gaspar, captado por um microfone direccional e indiscreto da TVI.

Uma conversa de cerca de dois minutos, que na essência se resume assim: o decano Wolfgang Schaubble explicava em tom paternal ao nosso jovem ministro que Portugal poderia manter algumas esperanças de renegociação da dívida. Para já, era esperar. Para já havia aquele problema da marota Grécia e havia que agradar à opinião pública alemã, mas mais para diante, quem sabe!, depois de a poeira assentar um pouco, Portugal , que se estava a "portar bem" e a cumprir direitinho as directivas da Troika, poderia vir a ver alguma condescendência para o seu caso. Não já, mas lá se acabaria por ver "em que paravam as modas". (as aspas e o tom irónico são meus, mas as ideias foram estas).

As reacções públicas à conversa foram essencialmente duas:

--uns acharam humilhante a atitude e pose subserviente de V. Gaspar, todo dobrado a escutar o segredinho e a dizer, grato, "sim, sim..." e que tal mostrava mais uma vez que a Alemanha é que tem decidido tudo na UE e que afinal o governo cá arma-se em forte e durão e diz que não pede renegociação da dívida, quando depois anda no exterior a pedir aos senhores UE que considerem uma renegociaçãozita;

-- A segunda reacção foi de indignação em sentido diverso: era inadmissível que os OCSocial usassem aqueles truques para captar conversas "particulares" e o que parecia atitude subserviente de Gaspar apenas se devia à ciscunstância concreta de o seu homólogo alemão viver preso a uma cadeira de rodas. Que Gaspar se limitara a ser bem educado e que, já que o outro queria ser simpático e dizer-lhe aquela sua mera opinião, o português mais não podia fazer do que concordar polidamente e escutar caladinho. Que era normal tais conversas privadas existirem nos corredores do poder e que mais não eram do que hipóteses privadas e não vinculativas.

Pois bem, julgo que há um pouco de verdade complementar em ambas as teorias(embora Gaspar , habitualmente tão compostinho, se pudesse ter sentado ao lado de Shaubble, em vez de se dobrar daquela maneira e gerar ambiguidade, ainda por cima porque obrigava também o frágil ancião a esticar mais o pescoço do que se estivesse sentado ao seu nível!): a subserviência dos governantes portugueses face à troika, à UE e à Alemanha merkeliana em particular, é tão evidente que salta à vista de qualquer português ou europeu mais distraído; por outro ,já se sabe que uma conversa privada não é um decreto. Porém, a política ridícula que hoje se pratica cada vez mais é feita nesses corredores e menos nos lugares próprios (ex. parlamentos). Sabemos que pesam mais os lobbies de negócios do que os pobres votantes e que cada vez mais a Economia,corrijo, A FINANÇA pura e dura pesa mais do que o bem estar, a democracia e a economia real dos povos. Cada vez mais o poder está nas mãos daqueles que não foram eleitos e cada vez menos nas daqueles que foram eleitos.

Mas atrevo-me uma vez mais a juntar uma terceira teoria, mais uma daquelas minhas teorias amalucadas e para isso peço o favor de olharem uma vez mais para a foto que ilustra este post. Duas meninas aos segredinhos, no que chamamos um belo cochicho, aqui não captado por microfones ... pois o blogue não tem som, ah ah... :)

As meninas leitoras, especialmente, irão compreender a minha "teoria". Quem já passou pelas fases ditas estúpidas da pré-adolescência deve lembrar-se bem. Lá para o fim do ensino primário, por aqueles 9 ou 10 anos de idade das meninas, quer de colégios quer do ensino público, há sempre a chamada fase dos "clubes", "dos segredinhos" ou "de fazer caixinha". Explicando aos mais desprendidos rapazes: dentro do grupo grande de raparigas, numa turma da escola, por exemplo, duas ou três mini-líderes normalmente as tidas como mázinhas, mas não só, muitas vezes entre as simpáticas também, formam um sub-grupo de "cochicheiras". Por exemplo,se o gupo todo está a fazer uma roda ou a brincar às caçadinhas, o grupinho "da caixinha" retira-se para um canto para segredar umas coisas, como num elevar-se acima do resto das comuns mortais. Normalmente é para criticar as/os outros, para marcar a exclusividade em certos conhecimentos sociais. Outras vezes o asssunto é desconhecido e por vezes nem existe, limitando-se a demarcar uma atitude que proclama ao mundo "nós estamos numa outra camada e só eleitas partilham as nossas opiniões e segredos".

Outro exemplo: numa festa de aniversário, as "cochicheiras" fecham-se num dos quartos, estragando por completo o ritmo de brincadeira da festa e só reaparecendo para o apagar das velas do bolo. Na escola também são as eternas desmancha prazeres: no melhor de uma brincadeira colectiva, desistem, proclamam que não lhes apetece brincar mais e lá vão para o canto segredar.

[Por mim, já fiz esporadicamente parte de um sub-grupo de cochicho, confesso, embora quase sempre tal me incomodasse, pois sempre fui adepta de conversas abertas , que não excluíssem ninguém. Embora reservada, eu era sociável, e ficava revoltada com quem fazia troça dos mais fracos, daquele colega que gaguejava, da outra que tinha epilepsia e era disléxica e desatava a chorar nos testes. E sempre que podia, o que por vezes era difícil ( e não agi como devia), ganhava coragem e lá tentava limpar as arestas e fazer o possível para que todos pudessem entrar nas brincadeiras e conversas. Não havia maneira de entender essas atitudes arrogantes, talvez por ter muitos irmãos e primos e uma família onde a conversar é que se procurava o entendimento. Os meus pais sempre nos incutiam a escutar e tratar os outros bem sem olhar a aspecto e condição e uma infância com muitas mudanças sempre nos havia obrigado à adaptação às diferenças. O preço a pagar era termos alguns dos mais tristonhos a seguir-nos, mas não nos arrependiamos e a nossa casa, em horas longas das tardes sem escola, conseguia ser um mundo de convívio eclético, imaginação e e brincadeira que acolhia muitos amigos de estilo diferente, desde as amigas vizinhas mais alegres e sociáveis, aos/às colegas com dificuldade em fazer amigos.]

O meu ponto é: nesse mundo de caixinha das meninas dos segredinhos, um facto destacava-se sempre(e vejam a foto): quem sussurrava olhava ostensivamente em redor para confirmar que a viam a segredar. Era a expressão de "Olhem! Eu tenho esta amiga exclusiva e vou-lhe contar uma coisa que não quero contar-vos a vocês!Nhanhanhãããã!". As outras (como na foto) arregalavam os olhos também teatralmente, como se fosse o segredo mais fabuloso do Universo e arredores! Outras vezes havia o requinte de semi-segredo, deixando audíveis algumas palavras, para incutir a inveja e curiosidade. Algumas infelizes caíam na armadilha e perguntavam: "Hen? Que estão vocês a dizer aí?" Ao que respondiam, depois de ostensivo deitar a língua de fora (outro gesto que nunca entendi bem... o meu pai proibia terminantemente vêr-nos em tal careta!): "Não é nada contigo! É só cá entre nós!" E todo o sub-grupinho repetia a língua de fora. (uma vez uma amiga replicou, descontraída, a uma dessas empertigadas. "Xi! Tens a língua suja!" Nunca mais a dita deitou a língua de fora!)

Enfim, coisa de meninas, como disse, na pré-puberdade, fase felizmente curta, para ser seguida de outras ... tanto ou mais parvas... mas que parece NADA correlacionada com o s nossos esforçados ministros-troikas. Pois enganam-se! A minha teoria é que, tal como as meninas do cochicho, muitas destas conversas são ostensivas para que os OCS as captem e sejam eventualmente escutadas e divulgadas!

Senão, observem mais um pouco: esses microfones direccionais são sobejamente conhecidos pelos políticos, que quando querem bem os evitam. Basta reparar naqueles deputados no Parlamento a fazer telefonemas: encobrem todos o bocal e também a BOCA, com a outra mão, para evitarem o "read my lips" dos jornalistas e também as captações marotas das novas tecnologias!

Quando querem, os políticos evitam serem escutados! Julgam que o "Porreiro, pá!" de Sócrates a Durão Barroso, após a assinatura suicida do Tratado de Lisboa, foi totalmente espontâneo e inocente? Olha com quem! Com senhor do teleponto e do "Luís, como é que eu fico melhor?", com o líder que proibia fotógrafos que não os seus próprios junto aos palcos nos congressos? Aquele homem era o que menos espontâneo e mais teatral jamais tivemos a dirigir o país!

Talvez a conversa dos dois ministros das Finanças tenha sido mais inadevertida,mas de qualquer forma foi um favor que o alemão fez ao nosso gaspartroika, ou não foi? Reparem nas reacções! Quem queria renegociação da dívida clamou: "Eu bem dizia que era possível!"; por outro lado, quem alinhava totalmente com o governo mas estava a ficar apreensivo acabou a suspirar um pouco, mais aliviado ("ah, afinal os nossos ministros não estão a ser assim tão casmurros e até procuram outras soluções, nos bastidores! E vejam como o alemão revelou simpatia! ah! nós não somos gregos!").

Mesmo que tenha causado algum embaraço e sururu e até se tenha pedido de forma ridícula o castigo do jornalista da TVI (para disfarçar e fingir indignação, ao que me parece), a divulgação da conversa "privada" acabou por dar muito jeito e dar mais um fôlego aos eurocratas, em mais uma estratégia para conseguir aquilo que tem sido sua maior preocupação:protelar, protelar e protelar os problemas graves que estão a afundar a União (?!) Europeia em particular e o sistema democrático em geral.

Foi apenas mais uma cena no teatro constante em que nos têm vindo a entreter, alegre e criminosamente, de forma atabalhoada e irresponsável. Tanto os mais poderosos, como os nossos "líderes" de trazer por casa. Mas foi o tipo de política que aprenderam a fazer nas incubadoras dos seus partidos, num mundo onde cada vez são mais irrelevantes como poder efectivo. Um mundo de aparências, de teatro de fantoches que protagonizam. Um mundo onde se decide ou FINGE decidir coisas importantes, com a displicência escandalosa de quem faz uma reunião de rotina de aprovação de estatutos duma associação recreativa de matraquilhos, de quem reúne a assembleia para aprovação do orçamento e contas de Condóminos,ou até de quem dirige uma reunião de apresentação da nova colecção de Tupperware. Porém em todas a mesma atitude de quem esquece que está a lidar com o sério destino de povos inteiros, mas empurrando os europeus para a bancarrota ,com mais umas austeridades e declarações ocas, por entre o trincar de mais um rissolzinho e o estrear de nova gravata de seda cor-de-esperança.

Deixando "escapar" para os jornalistas sedentos uma ou outra frase bombástica, sussurrada ou não, para entreter as massas, enquanto deixam fugir as outras "massas" para o buraco especulativo... sempre e sempre num teatro gigante!

Basta ver, por cá , as eternas Conferências de imprensa a anunciar mais uma "tranche" de pescada dos mares da Troika, que veio cá gabar-nos a sorte com o nosso sol e,medir se estavamos a ser bons alunos suicidas e afagar o ego dergovernativo dos nossos "Young Turks".Basta ver, por "lá", as patéticas cimeiras semanais ou domingueiras, sempre inconclusivas mas bem jantadas. Basta ver o marcar de presença (picar do ponto!)em Bruxelas ou em Berlim, nos parlamentos ou em tête-à-tête merkozianos,com a "Anguelita" a competir com a rainha de Inglaterra em beija-mão e a receber mais abraços e beijocas de moçoilos jeitosos do que terá tido em toda a sua anterior vida, basta ver toda esses "poderosos" a fingir, sempre a fingir que decidem alguma coisa, mas sempre a adiar o desfecho.

Um desfecho que insistem em simular ser alegre e de farsa, de comédia com ou sem bolas de cristal, mas que todo o público já percebeu que será de tragédia grega,mas sem direito à justa catarse --ou então com uma catarse que poderá ser parecida com a de duas grandes tragédias Mundiais a que a Europa já assistiu! Agora sentimos que é "reprise"!-- caso o público não patear e não obrigar os pindéricos dramaturgos a alterarem o texto...

E por mais que estes "clubes do Bolinha" e da "Anguelita" finjam segredinhos e nos vão deitando a língua de fora, o povo sem voz sabe por demais que os segredos são de "cacaracá" e apenas revelam parvoíce imatura e já vamos respondendo, sem qualquer respeito "Xii! Vocês, «líderes», têm a língua e a política sujas!"...

(talvez volte para analisar a curiosa teatrada das famosas cimeiras, num outro texto, que este já vai longo...)

"Alergia" (29-2-2012. im blog "Alegrias e Alergias")

6 comentários:

  1. Desde os tempos tribais, passando pelos reis, imperadores, ditadores e outras formas de poder, que as grandes decisões não são as tomadas em assembleias ou à vista de todos. As verdeceiras decisões, que marcaram a história foram sendo conversadas e tomadas nas alcovas, nos banhos públicos, nos chás das damas, nas corredores, nos sussuros confidentes, na solidão dum pensamemto, eu sei lá...
    Com tantos anos de história, não sei como ainda se faz tanto alarido de situações destas. Não temos assuntos mais prementes para pensar em sociedade? talvez não...

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    1. Bem-vinda, Pérola!
      Acabei de visitar o seu blogue e vou tornar-me seguidora. Gostei dos textos, identifiquei-me com o que li e também quero ser solidária com quem está a iniciar o seu próprio blogue, como é o caso aqui do "Alegrias e Alergias". :))
      Quanto ao que diz sobre os cochichos dos políticos ao longo da História, tem toda a razão! E atrevo-me a dizer que é por essas decisões "de alcova" e outras que o Mundo andou tantas vezes tão mal dirigido. Se tudo fosse mais trasnparente e com a participação mais activa e respeitada dos cidadãos, talvez não surgissem tantos desvios à democracia, tanta corrupção. Apesar de concordar que tem sido assim o desmando da Humanidade, creio que poderia ser de outra forma melhor...Mas sou bastante idealista, admito...
      E quanto a estes políticos actuais, antes fizessem os seus tratos na sauna e na alcova e se deixassem destes espectáculos de reuniões e cimeiras que nada decidem (olhe, lá está mais outra a decorrer hoje!) e que só gastam muito dinheiro aos povos, com viagens, jantaradas, certamente subsídios de deslocação e de representação... para nada... Além de que, por serem tantas, perdem a força. Já lhes perdemos a conta e nem podemos chamar já a "Cimeira de...". Acaba por ser "Cimeira de Bruxelas" nº 257", ou algo do género.
      E como nem a Alemanha sabe como resolver questões destas, os "incidentes" como o dos dois ministros servem perfeitamente , como eu disse, para ganharem uma folga de debate até à pseudo-decisão seguinte! :)
      Beijinho

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  2. Margarida,
    que "certeira" reflexão sobre as decisões. Ai, o cochicho... como abunda por cada canto. Agora vou dizer baixinho, assim em jeito de sussurro: espero que não nos ouçam, mas é de gritar bem alto o quanto andam a gozar com a nossa cara, mas nós não deixamos, ai não, não... ;)

    Beijinhos suaves, sem muito ruído, em surdina.

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    1. Obrigada, Paulo.
      Recebidos, muito em surdina! shhhhhh!
      :))
      Não deixaremos de alertar para as pequenas e grandes coisas com que nos querem tomar por parvos, ai isso não!
      Beijinhos também.

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  3. Aquilo foi uma conversa cínica de quem está disposto a sacrificar a Grécia como "exemplo" para os outros países!!
    Um verdadeiro nojo... com o nosso subserviente ministro a abanar o rabo!

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    1. Concordo, mfc.
      Um nojo e algo perfeitamente cínico!
      Esquecem-se que estão a falar do destino de povos inteiros, composto por uma maioria larga que não tem culpa sequer das asneiras preticadas pelos seus governantes.
      Entretanto,soube bem aos alemães impôr-lhes a venda de submarinos, em plena época de contenção (creio que foram uns nove).
      Os gregos estão a ser sugados como tremoços e agora qerem deit´-los fora como as cascas. E ainda por cima não querem assumir a resposabilidade de os expulsar e, hipócritas como os outros países são, querem que os gregos decidam sair do Euro pelo próprio pé... Um nojo.

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