sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

O padeiro da minha rua e as empresas públicas de transportes

Todos falam em crise. E da austeridade que devemos ter, dos sacrifícios que devemos fazer e blablá. Muitos (mas nem todos) sofrem a crise. O comércio de produtos que não os de luxo é um dos que mais está a sofrer com a crise , em Portugal.
O padeiro da minha rua , nos últimos anos, tem visto o preço da farinha subir em flecha. O padeiro da minha rua há vários anos que não aumenta o preço do pão, para manter a clientela, ao não reverter o preço da farinha no preço do pão.
O padeiro da minha rua, viu agora a percentagem do IVA dos bens essenciais aumentar muito. O padeiro da minha rua, mesmo assim, procura não reflectir ese prejuizo no preço final da sua produção. Não quer perder clientela, que sabe estar sujeita também à crise e às dificuldades.
O padeiro da minha rua , desde que a crise se começou a sentir no País, tem visto  diminuir a afluência de clientes à hora do pequeno-almoço, à hora do lanche e até à hora do cafezinho após o almoço. Em compensação, o padeiro da minha rua fornece artigos para almoços ligeiros, que leva os clientes a tomarem algumas refeições na padaria.
O padeiro da minha rua conhece boa parte dos clientes pelo nome, acolhe-os com um sorriso e simpatia, adivinha-lhes os gostos e por vezes faz sugestão de novos produtos.
O padeiro da minha rua poderia ter diminuido drasticamente a produção de pão e outros artigos, a pretexto da quebra de vendas e da Crise. Em vez disso, o padeiro da minha rua procura inventar novos produtos (novas variedades de pão, de bolos, pastéis, sandes...) que agradem aos clientes e correspondam às suas necessidades.Reaproveita pão que sobra mais seco e faz torradas especiais que vende de manhã em pequenos almoços muito mais baratos para que os clientes mais carenciados, tantas vezes idosos e de magras reformas, possam continuar a dar o seu "arejo" de café e de convívio com vizinhos. .
Na padaria da minha rua, todos os funcionários são extremamente simpáticos e rápidos a servir, fazendo valer bem o lema de que um cliente satisfeito é um cliente que regressa e que  "o cliente tem sempre razão". Se alguém se queixa de algo com fundamento, é o primeiro a reconhecer que o produto não agradou e a tentar compensar o deslize.
O padeiro da minha rua consegue manter os funcionários e quando tem dificuldade em arranjar padeiros para os fornos ele mesmo mete mãos à obra, querendo experimentar o fabrico de novos produtos para testar a sua qualidade e dificuldade. Uns são patrões, outros são funcionários, mas o padeiro da minha rua consegue criar o espírito de equipa necessário para que todos sintam incentivo em manter a padaria em funcionamento, como se a crise pudesse passar ao largo. Quando a sala se enche, qualquer uma das funcionárias que servem às mesas ficam visivelmente satisfeitas pela afluência, dizendo "tomara todos os dias!". Os clientes, satisfeitos, quase todos pessoas remediadas, tentam dar-lhes umas gorjetas de vez em quando e até não se importam de partilhar a mesa quando a sala está cheia e vem uma senhora comos netos  e que se arriscaria a esperar algum tempo!
Que relação tem o padeiro da minha rua, com as empresas de transportes públicos do título?
Pois bem, para além de também sofrer a crise, dá para perceber que o padeiro da minha a rua sabe ver que a maneira de ultrapassar a dita crise não é  simplesmente cortar ou reduzir, mas enfrentar o problema com criatividade  e trabalho! Poderia limitar-se a aumentar os preços, reduzir todos os produtos apenas às carcaças e cafés, mas tem a inteligência e o talento de (VERDADEIRO) bom gestor que, em vez de se fechar num gabinete a produzir gráficos e estudos, mete literalmente a "mão na massa" para ultrapassar as dificuldades. Poderia limitar os seus horário de atendimento, podendo despedir pessoal e ter menos encargos, porém sabe que quer manter o interesse no que vende, marcar diferença e não espantar a clientela para outras paragens que apresentem maior e mais variada oferta.
Pronto, já devem estar a entender o paralelismo. Tudo o que o padeiro da minha rua  tem feito para superar a crise (NOTA: mesmo nem sempre tendo pastéis de nata à venda!) é o oposto do que os toscos (não merecem outro epíteto não acham?) dos administradores das empresas de transportes públicos têm feito, com a  tosca desculpa da crise e da subida de preço dos combustíveis. Tanto CP (Comboios portugueses), como Carris, STCP, Metro de Lisboa e do Porto, têm vindo a obedecer aos conselhos "liquidatários" de uns outros toscos, de uns ditos "grupos de trabalho" (certamente pagos a peso de ouro...). Assim, em vez de procurarem diversificar a oferta e atrair novos utentes, tudo têm feito para os afastar e concluirem que, gastar por gastar, mais vale viajar de automóvel e sair à porta do trabalho...
A CP encerra linhas, acaba com muitos horários de comboios, encerra estações (algumas belíssimas!) e apeadeiros, destrói linhas históricas e turísticas (muitas já do tempo do rei D. Pedro V, um  homem de visão, que as inaugurou), vende  à sucata carris e comboios, só não conseguiu pôr a patacos e exportar comboios antigos( para museus lá fora), autênticas relíquias históricas, porque, ironicamente, uma associação internacional de trabalhadores ferroviários lembrou que fazer isso  sem avisar o Estado era proibido na U.E.!
 Muitas terras de interior ficaram sem comboios, para mais em locais onde nem alternativa rodoviária existe. Há poucas  ou nenhumas carreiras, em horários absurdos, quanto muito. Lembremos que a Rodoviária Nacional foi extinta há poucos anos, deixando grande vazio de concorrência. Depois diz o nosso PR para regressarmos ao meio rural? No comboio " Intercidades", ainda há pouco, acabou o serviço de bar (algo de básico para viagens de longo curso!), tudo porque a empresa concessionária acabou seu contrato e mais ninguém parecia interessado, devido às regras apertadas da ASAE...E não sairia mais económico à CP ter o seu próprio serviço de bar(como devia ter em tempos...) , já que é um direito  mínimo dos  seus utentes? Esta mania de fazer contratos externos por tudo e por nada não tem levado muitas empresas a melhor serviço ou sequer a poupar mais. E aquela de privatizar o que dá lucro, caso da parte que foi desmembrada da CP e transformada em outra empresa, a dos transportes de mercadorias
Nas cidades, os transportes públicos estão a seguir o mesmo caminho: diminuem os horários,  os autocarros alteram os percursos de forma estúpida que não agradam aos interesses dos utentes, queriam até acabar com transportes após a meia-noite, quando há muita gente que regressa do trabalho ou dos grandes Centros depois dessa hora. Pode parecer uma medida ao estilo da  fada madrinha da Gata Borralheira, para fazer os meninos e meninas regressarem cedinho a casa para  não perderem o sapatinho e depois "moirarem" cedo no trabalho do dia seguinte. Mas seria também uma medida para fechar os centros aos cidadãos que vivem nos subúrbios, mais uma maneira espúria de  afastar  esses Borralheiros dos centros de decisão e também dos centros de... protesto futuro.
Queixam-se que têm prejuízo, no entanto ,quando apresentam as contas, vemos é que têm... escasso lucro, o que é diferente. E vemos também que o que faz gastar mais a essas empresas, o que realmente lhes introduz prejuizo, é a multiplicação de administradores bem pagos (no lugar da meia-dúzia que bastaria), com frota automóvel de luxo e outras mordomias--- e não os mecânicos, guarda-freios, motoristas que despedem. sobrecarregando horários de outros. Nem tão pouco é a menor afluência de utentes em certos horários (que se compensam com as horas de ponta) e certas linhas, mas a má gestão de recursos, a falta de criatividade, a cada vez mais diminuta  oferta que afasta tanto utente.
Agora sobem os preços dos bilhetes em flecha, acabam ou reduzem de forma violenta os passes sociais (ASSUNTO Já debatido AQUI), tiram todo e qualquer incentivo a viajar em transportes públicos, vão perder os utentes idosos e os estudantes, vão contribuir para o esvaziamento e vida das ruas e até do comércio que resta, devido a essas subidas proibitivas...com se alguma vez os preços dos passes possam cobrir as subidas constantes dos combustíveis.
 Em suma, riscam do seu vocabulário a expressão "TRANSPORTE PÚBLICO". esquecendo que este não é feito para dar lucro, como  o negócio particular mas tantas vezes mais "público" do padeiro da minha rua, mas para dar alternativas sensatas para a deslocação dos cidadãos que pagam impostos, compensando também aqueles que não os podem pagar. Os transportes, a par da Saúde e da Educação básica, é um dos serviços de Bem comum que deveriam ser conservados e incentivados , a bem da mobilidade e da tão adorada Economia.
 Se os cidadãos tiverem melhores e mais eficientes transportes, as localidades, grandes ou pequenas, manter-se-ão vivas e a economia não será uma palavra estática. Mass esses génios, esses "cérebros" não conseguem ter essa visão. Ou então até vêem mas faz parte do plano geral de levar as empresas à desgraça para depois serem recapitalizadas publicamente e "salvas" por privatizações de embuste...Porém essa é a perspectiva mais pessimista das intenções dessas sumidades dos grupos de "trabalho". Por mim dou-lhes o beneficio da dúvida de agirem assim por mera estupidez...
E depois devem querer o milagre do aumento de afluência quando se limitam a, para compensar tanto CORTE, fazer belos cartazes e anúncios de rádio a dizer "Viaje de comboio. Poupa tempo ...e bláblá"...! Poderiam bem poupar em publicidade, se , como o padeiro da minha rua, tivessem amor e criatividade no negócio que gerem, não buscando o prejuízo, mas lembrando-se que estão a prestar um serviço e que o cliente, rico, pobre ou remediado, deve ser prioritário.
Bem... e se querem saber onde fica a Padaria (bem real!) da minha rua--- pois  não digo.
 É um segredo bom que toda a  vizinhança prefere guardar! :))
Margarida Alegria (10-2-2012, in blog "Alegrias e Alergias")

8 comentários:

  1. Gostei deste libelo forte e sentido contra a injustiça...
    Era bom que houvessem bem mais "padeiros" como os da tua rua... e menos governantes macabros neste país!
    Beijos.

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  2. Obrigada.
    Depois não venham esses desgovernantes dizer que somos preguiçosos e que os críticos das suas "medidas toscas" não dão ideias e pistas positivas.
    O que tem feito com que Portugal sobreviva como nação por tantos séculos tem sido o facto de ultrapassar as tragédias APESAR de muitos dos péssimos governantes que lhe têm cabido em sorte...
    E viva o padeiro da minha rua.Ainda há pouco lá trouxe o pãozinho fresco. :)
    Beijinho

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  3. É esse o caminho certo para se obter um bom "panito".
    Gostei.
    Bj

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    1. Obrigada, Magalães. Só agora li e pude responder ao comentário.
      Bj
      :)

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  4. Hoje, o prato do dia no http://acordo-ortografico.blogspot.com está a sair: "Caldeta de Novo Acordo Ortográfico".
    Bom domingo!
    António Pereira

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    1. Já vi e está bem engraçado, obrigada! Embora para mim seja um prato indigesto que espero venha a ser abolido da Ementa Nacional, eheheh... :))
      E já lá vou comentar agora.
      Boa semana, António!

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  5. a rua inda tem padeiro?

    gente fina é outra coisa...aqui só pão de lidl ou de carrinha...

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    1. É verdade, "Louva a Greve", bem visto...
      "gente fina" e não piegas é outra loiça! :))
      Aquele é o padeiro mais próximo e da rua. Para além disso há mais meia dúzia de padarias nas imediações: desde depósitos de pão a certas horas a padarias com confeitaria como esta. e andando um puco mais, mesmo a pé, mais se encontram. felizmente. Dizem que é tendência das pessoas mais a Norte terem mais iniciativa privada, as tais pequenas (e médias) empresas que estão a apanhar mais fortemente com a crise, mas também as que dão/davam mais emprego.
      Uma vez passei uns dias na capital do Reino de Portugal, numa zona bem cotada, perto de um grande estádio e de estações de metro, no entanto, para se conseguir arranjar pão ou comprar o jornal,era preciso andar vários quarteirões até... uma loja de conveniência! E por cá, por vezes, quanto mais rica e murada é a zona menos comércio deste existe!
      Uma tristeza! :/
      Louvo a sua intervenção, obrigada! Apareça sempre, amigo Louva! :)

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