segunda-feira, 2 de julho de 2012

De regresso ao trabalho Infantil? :(

(uma foto que havia recolhido à espera da melhor ocasião: trabalho infantil num país asiático)
Este post já não é tão digerível (descontando a alta qualidade dos posts nele linkados). De facto, depois dos aperitivos humorísticos do post anterior, serão até uma sopa algo indigesta...
Pois não é que o nosso Ministério do Crato (já nem chamo da Educação), está a pensar, segundo a entrevista desse senhor ao  semanário "Expresso", em aplicar a via profissional já para alguns alunos... do 5º Ano de escolaridade?
5º ANO ,senhores! CRIANÇAS! Com 10 anos!
Onde estão os "Daniéis  Oliveiras" e outros que bradam contra o simples regresso do exame da "4ª classe"(4º Ano)? Não acham que ISTO é que é verdadeiramente preocupante?
E depois? Esses pequenos aprendizes irão esperar uns anos pela entrada no mundo Laboral de que estão impedidos? Ou então mudarão a lei para os empregar? Ou vão trabalhar à socapa, a coser sapatos dentro de garagens "em família" como já tantos fazem, só que agora com honras de certificado  da via profissionalizante e fechar dos olhos do Estado e, por extensão, da sociedade?
Ou será para lavar as mãos de ensinar a escrever e a saber de Ciências ou História àqueles que já estão marcados para uma triagem de castas com que estes jovens desgovernantes a cheirar a mofo tanto sonham?
Será que o tal exame do 4º ano procederá à tal triagem (termo já muito usado pelos defensores da falsa "excelência"), com resultados previsíveis para alunos com menos meios de apoio cultural e do interior, que regressarão assim ao obscurantismo salazarento de saber assinar e umas letras e basta?
Há algo de muito perigoso aqui. E, como diz o colega e blogger Paulo Trilho Prudêncio no  seu excelente "Correntes"(ver link do post abaixo), pode haver já a noção de que alguns não vão muito longe nos estudos, mas desistir assim um País de educar as sua crianças? E repito, CRIANÇAS.
Há pais incultos que até esfregarão as mãos de contente de início, mas isso não será o mesmo que mandá-los de volta aos campos para ajudar os pais no pastoreio e na agricultura.
Não podemos permitir que tal ideia criminosa vá para a frente! Se não se consegue educar uma criança de uma forma, dê-se a volta e insista-se. Eduquem-se os pais, eduque-se de uma vez o País dos adultos, mas não se cortem assim "as pernas" às novas gerações, para além das de agora a quem se sugere a emigração.
Bem, nada melhor do que dar a palavra a dois bravos bloggers que o exprimiram bem melhor. O Paulo T. Prudêncio, no "Correntes":
"E QUE TAL NO 1º ANO?"
E o Zé Morgado, no "Atenta Inquietude":
Textos a não deixar de ler, absolutamente (descansem, são mais pequenos que os meus...)!
Não podemos permitir que ideólogos ainda de cueiros e protegidos toda a vida em ambientes mais favoráveis à sua ascensão escolar incitem Nuno Crato a alinhar nestas políticas criminosas.
E dedico este post ao "Vitinho", meu doce antigo aluno do 7º Ano, hoje certamente um pintor ou trolha por aí.
Na altura, pela lei de limite de idade de trabalho que o permitia e como Directora de Turma novinha sem arcaboiço para conseguir persuadir o pai, embora o tentasse, nada pude fazer para impedir o severo homem de o levar embora da Escola ao fim do 1º período de aulas, aproveitando-se das notas ainda fracas do filho.... Via-se que o pai só cedera a muito custo deixar o  seu rapaz estudar e de pronto se agarrara às várias negativas para lhe desfazer o sonho em três tempos, ou seja, em menos de três meses.
Ainda hoje vejo o rapaz, esperto mas tímido e  frágil ,no primeirio dia do 2º Período, no primeiro tempo do dia, aula de despedida de mim e da turma( o pai lá lhe permitira.Depois ia logo para casa).
Os outros alunos, todos vindos de meios rurais, não muito bons alunos, mas esforçados  e cheios de ternura, dedicaram aquela aula ao Vitinho. Embora decorresse a matéria mais ou menos como programada--ele fora uma surpresa e claro que suavizei muito o ritmo, mas sendo uma aula como as outras, como ele queria que fosse para guardar consigo--, pediam para ele ler, para ele ir ao quadro,para ter a última aula em honra do "seu Vitinho". foi um pequeno rei de atenção, apesar de ter sido sempre acarinhado anteriormente por todos. A meio da aula, à hora ordenada pelo pai, despediu-se e pediu para sair. As colegas lavadas em lágrimas, a Marisa, a delegada e mais refilona olhava em frente e tentava disfarçar a raiva e o choro com sobrolho franzido e moreno, lábio tremente no seu ar habitual de amuo. Outros evitavam olhar de novo para o rapaz, alisando os livros.
À porta da sala,o Vítor futuro aprendiz de  pintor, que já não o "nosso" Vitinho(e não também o  dos desenhos animados para embalar crianças),  pára uns instantes antes de um último adeus geral. O seu corpo franzino de 13 anos, herdado de gerações de fome,  recorta-se esguio com a porta aberta a emoldurá-lo:
-"...Será que depois poderei voltar aqui para os visitar, S´Tôra?" Fiz o sorriso mais rasgado que consegui.
-"Claro que sim, Vítor, Vitinho, claro! Vem cá visitar-nos sempre que quiseres!". 
Arregalou os enormes olhos azuis, numa esperança infantil e sorriu também, com ar de  consolo rasgado. Um certo alívio no seu súbito abandono escolar. E partiu.
Como podem imaginar, jamais voltou. :(
Ficou-me sempre aquela imagem dele emoldurada pela porta, aguardando a minha resposta. Tudo que lhe pudera dar fora uma esperança de Final feliz para a criança que ainda era. Tudo o que o País lhe tinha para dar era o fim de sonhos de uma vida melhor que a do seu também franzino pai, dobrada ao trabalho precoce.
Não. Não quero ver o regresso do país de" Vitinhos" ou pior. Se é para resolver dramas disciplinares que entravam o aproveitamento  da maioria, longe de impossível, que se criem estratégias de disciplina e de verdadeiro apoio, e não  medidas hipócritas e banalizadoras do abandono, que certamente até será  multiplicado entre  os mais desamparados e não entre os mais "malandros".
Margarida Alegria (2- 7-2012. in Blog "Alegrias e Alergias")
(e lamento a indigesta "sopa à Crato"... o resto dos pratos deste banquete de posts ficará para amanhã, como compreendem...)

4 comentários:

  1. Estes tipos têm um projecto ideológico de ultraliberalismo que vão prosseguir até às últimas consequências se não forem impedidos disso... mesmo a tiro se necessário fosse!

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    1. Sem dúvida, mfc!
      Umas bestara ultraliberais, racistas, elitistas e sem qualquer sensibilidade!
      Até quando os portugueses irão aguentar isto sem correr com toda esta corja? :(

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  2. Até me arrepiaste com a narração do Vitinho. Uma história mais do que horrivel, de tão verdadeira.
    Olha, vou ao cocktail de laranja, mas sem vontade.
    Mas,...Que raio de país e ensino temos ou iremos ter?

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    1. Horrível, mas que me marcou para sempre e "super-verdadeira". Os coleguitas é que sugeriram ao miúdo: "E volta cá para nos visitar!", então ele perguntou "...e Posso? Posso,s'tôra, voltar cá para os visitar?"
      :'(
      Um país que já estava bem atrasado, com este recuo forçado ainda vai ficar com um fosso maior em relação a outros!
      E estas bestas, quando irão ser chamadas a prestar contas por estas medidas criminosas?

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