(c) Margarida Alegria (in Blog "Alegrias e Alergias"-Junho 2013)
Já aqui mencionei o "imenso" e misterioso cartoonista (ou, à portuguesa, "cartunista") norte-americano Gary Larson, que nas últimas décadas do século XX fez as delícias de milhões de leitores de jornais e a fúria de outros tantos, que não entendiam o seu humor corrosivo. Foi por exemplo NESTE POST AQUI, OU NESTE, que construi uns cartoons a "dar ares do humor "à Gary Larson", isto é, essencialmente transportando as hipocrisias e as incoerências de certas situações dos nossos dias, para um outro contexto socio-temporal. Ou até passar as aberrações da sociedade humana para o mundo de outros seres, como extra-terrestres, ou animais.
Ainda não tinha experimentado usar os animais em cartoons desse "estilo", por isso aqui vai, mas claro muitos furos abaixo desse grande mestre. O tema que me motivou foi a , para mim, incompreensível falta de solidariedade dos colegas que na passada segunda-feira, dia 17 de Junho, optaram por não fazer greve de professores. Podem ter pretextos económicos, mas isso não pega: todos teremos muito mais a perder e muito mais tempo ou para sempre, se estas medidas loucas do Desgoverno foram avante e já muito mais dinheiro perdemos nós, com os diversos roubos institucionais levados por cortes vários destes últimos anos. Podem dizer que assim agiram com "pena" dos alunos que iam fazer exame, mas muito mais amigos seriam dos alunos se dessem exemplo de resistência a iniquidades e assim lutassem pelo futuro deles, para que não sejam continuamente atirados para a precariedade ou para a emigração, como futuros trabalhadores.
A propósito disso, dois artigos hoje no jornal "Público", a falar desta greve: um bem fundamentado e "por dentro" dos problemas, do nosso colega António Jacinto Pascoal e outro a defender a versão do "coitadinhos" dos alunos (com o título "A adversativa") de um tal Jorge Reis-Sá, que se apresenta como "escritor". Nunca ouvi falar de livros seus, mas fixei-lhe o nome, para ter o cuidado de não vir a adquirir nada desse dito autor. Essencialmente porque para mim, por melhor ou pior que escreva, "escritor" também deve ser alguém que, mesmo que não seja um exemplo moral ou cívico para os demais, tem pelo menos uma visão Universal do sofrimento Humano e da condição do "bicho-Homem" no Mundo, alguém que se preocupa e se revolta contra as verdadeiras Injustiças e não alguém que cai depressa nos lugares comuns ditados por comentadores de praça com mentalidade de "Tias".
Ia deixar para outra ocasião o comentar mais detalhado desse choradinho que J. R-S. escreveu, mais uma vez sob a falácia que não aderir a esta greve era mostrar que se "respeitava os alunos". Mas opto por abrir aqui um parêntesis ao comentário do cartoon que fiz, para desmontar o essencial da "argumentação adversativa" do (julgo que) jovem Jorge Reis-Sá. Poderia lembrar-lhe a famosa carta do estudante grego de Pireu, que circula na Net, que explica que não foram os professores (nesse caso gregos) que empobreceram a sua família e cortaram as "asas" a todos os seus sonhos, poderia lembra-lhe, o que não custaria racicionar, que qualquer aluno que estuda e que tem o contratempo de ver a prova mudada para outra altura não está perante um drama (fica o estudo feito, pode rever matérias) nem que irá por isso ficar de fora na entrada na Universidade... Poderia ainda recordar-lhe que as greves são sempre formas extremas mas legítimas de pressão, causando inevitáveis contratempos a uma parte dos cidadãos; e que quem causou a urgência da data foram o governo e o MEC e só se manteve a greve porque N. Crato continuou a mentir para os telejornais e o MEC se manteve intransigente a qualquer negociação e quis até que os sindicatos(ao que parece a FNE, que dignamente recusou) assinassem compromissos absurdos a trair os professores. Podia finalmente lembra-lhe que a luta é dos professores e não apenas dos sindicatos e que os professores, nas escolas, já sofreram em demasia e em excessivo silêncio (ou revolta sublimada) a catadupa de normas, leis, alterações aos horários, aos programas, aos currículos, por sucessivos governos carrascos e/ou incompetentes, que os têm vindo a espezinhar e à dignidade da sua profissão. E que até nem perturbaram muito o ano escolar aos alunos com outros protestos, mas que, com o "esticar da corda" abusivo da tutela, acabam por se ver nesta altura do ano como os maiores prejudicados a todos os níveis (salários, férias, repetição de reuniões...), eles sim "reféns" da imposição unilateral dos desvarios das Troikas (a estrangeira e a nacional).
Centro-me apenas nos argumentos centrais de Jorge Reis-Sá: diz que é filho de professores e que pensa que os seus pais (ele já falecido, ela aposentada) nunca fariam esta greve... por causa dos alunos (a tal teoria nojenta de Crato dos "alunos- reféns"...). Apenas replico, com o que os meus pais fariam. É que sou filha de uma professora do segundo Ciclo e o meu pai (também já falecido, como o de J R-S) foi professor nos seus últimos anos, mas na faculdade. Antes disso, lidou directamente com operários e com mineiros (descendo com eles à profundeza das minas,para ensinar e ajudar, o que nem todos os Chefes com o seu estatuto fazem, ganhando assim enorme confiança e respeito de profissionais de trato muito difícil como são os da metalurgia). E, contrariamente a JR-S, sei que os meus pais, embora não sendo adeptos habituais de greves ou de manifestações, se estivessem na situação destes professores que hoje andam a ser humilhados, FARIAM, sim, greve. E sabe JR-S porquê? Porque a minha mãe, agora aposentada, sabia que estar do lado dos seus alunos era dar-lhes aulas bonitas que os despertassem para o saber e os tirassem da ignorância e não um mero aplicar oficial de um Exame, apenas UM no meio de dezenas que eles irão fazer na vida de estudantes. Para ela, ser pelos alunos era estar com eles, no dia-a-dia, dando-lhes a ciência, mas também a educação , quando era preciso, para que se tornassem verdadeiros e completos cidadãos, homens e mulheres DE Bem e DO Bem. Atentos aos livros, ao Conhecimento, mas também ao sentido de justiça, à atenção e compaixão pelos demais. Nunca querendo que se tornassem meras Máquinas de fazer exames, como se fosse aí ,nesses testes, que se sintetizava o saber, muito menos a Vida. A minha mãe ensinaria a esses alunos que, mais importante (ainda) que os testes e os exames finais, era o Exame da Vida, o de todos os dias, o que nos leva pelas nossas por vezes difíceis opções ( na capacidade de trabalho , sim, mas também nas atitudes, nos gestos de paz e de solidariedade, no sabermos "entrar na pele dos outros", no combate às injustiças) a distinguirmo-nos como Seres Humanos, como algo de superior e Diferente a meros mamíferos bípedes orientados para o "Sucesso" e para o estúpido e fascizante conceito de "Vencedores", por contraponto aos "Losers"/Perdedores, seja o que isso for, neste novo darwinismo social.
Já o meu pai era dos que tinha as maiores dores de cabeça enquanto não garantia aos trabalhadores que liderava todas as condições de segurança e bem estar num trabalho exigente e perigoso (e contra que poderosos teve de se debater em discussões imensas, quando tentavam minorizar os riscos, por mera poupança economicista!), as constantes melhorias de vida pessoal e familiar que considerava que lhes eram devidas (casa, apoios sociais escola para os filhos), chegando, quando em terras de África, a sacrificar o seu próprio descanso de Domingo para ir caçar (actividade que até não apreciava) e assim vir a fornecer um suplemento alimentar de algumas proteínas aos trabalhadores que tinham a desgastante função de ir extraír as riquezas às entranhas da Terra... Tenho a certeza que muito se enervaria com o aviltamento que as Escolas Portuguesas e os professores têm sofrido às mãos destes carrascos políticos e quanto o desgostaria ver o País que amava e que não chegou a ver em pleno desenvolvimento, a recuar em direitos e em condições de vida, por causa de umas atitudes acobardadas e submissas perante poderezitos transnacionais de uns "mercados" agiotas e políticos de terceira escolha que certamente ele desprezaria. Embora não fosse de se meter em políticas, era sobretudo alguém que via nos outros seres humanos os seus irmãos, ensinando-nos a tratar todos bem, independentemente da condição social; e lembro-me de ele exclamar, muitas vezes, esperançado já depois do 25 de Abril: "Portugal ainda há-de ser um grande país! Vão ver...". Estaria contra estas políticas e faria greve, caso fosse professor destes Ciclos, pois colocava-se sempre em apoio dos mais desfavorecidos.
E note-se que os desfavorecidos nesta história são, para além da Escola portuguesa em geral, os professores, seus alicerces fundamentais, ameaçados de desemprego e precariedade após décadas de dedicação, como se a Constituição democrática já não existisse e tivessemos recuado um ou dos séculos.
Note-se que não poder fazer um exame na data prevista NÃO é ser-se desfavorecido: aluno desfavorecido é o que viu outros afinal a fazer exame e a prova a não ser anulada ou adiada; aluno desfavorecido é o que foi vigiado por quem não sabia as regras para tal função, o que viu o silêncio necessário à prova a ser perturbado, o que teve de fazer o exame só porque o seu nome tinha a letra "A" e agora vai ver os outros a fazer exame noutra data, com textos diferentes, quem sabe se mais fácil(a dúvida ficará sempre); aluno desfavorecido é o que deixou de poder receber bolsas de estudo só porque os pais devem ao Fisco ( que é agora, o "Coração", o Alfa e o Omega de todas as acções em Portugal, qual deus todo-poderoso); aluno desfavorecido é o que já não tem passe com desconto nos transportes e tem de fazer quilómetros a pé, sob sol ou chuva; aluno desfavorecido é o que já não tem direito à refeição gratuita na cantina e por isso desmaia de fome; aluno desfavorecido é o que é colocado a trabalhar, mesmo menor, para ajudar os pais, abandonando assim o seu percurso regular na escola; aluno desfavorecido é o que se acotovela em salas exíguas, feitas para 22 alunos e agora com turmas de 30; o que já deixou de ter ocasião de apresentar todas as suas dúvidas nessas turmas sobrelotadas; o que deixou de ter hipóteses de aprender melhor as disciplinas das Artes quase abolidas do currículo; é o que vê a família a definhar na miséria, ou na precariedade, ou a emigrar; é o que vê os avós a terem de ajudar no sustento dos filhos e netos e a verem as reformas a sofrer cortes por isso a não terem dinheiro para as consultas médicas ou para os medicamentos ou até para uma alimentação condigna; aluno desfavorecido é o que anda a ajudar vender ou leiloar os bens da família, para ter alguns euros para o essencial; aluno desfavorecido é o que não tem as mesmas hipóteses de comprar livros ou outro material escolar que uma escassa minoria; o que viu a família a perder a casa, o emprego, o direito à água corrente , ao gás canalizado ou à electricidade (por não poder pagar as contas); aluno desfavorecido será o que nos próximos anos ainda verá as condições para o seu estudo piorarem, em turmas maiores, com menos professores (e esses ainda mais exaustos, porque mais sobrecarregados,com sabe-se lá quantas mais actividades lectivas e turmas, enquanto outros são falsamente considerado excedentários e são enxotados para a mobilidade especial)...
Bem, deixo o "escritor" Jorge Reis-Sá em paz, com os seus escritos, pois para tudo neste país é preciso sorte e ele pelo que entendi tem a sorte de já se intitular "escritor" sendo tão jovem. Outros escritores bem conhecidos e Humanistas sempre reclama(ra)m não poderem ter esse estatuto nos seus documentos oficiais e profissionais, mas como hoje pode ser escritor quem redige uns discursos ou umas piadas para um qualquer ministro lançar em conferências de Imprensa ou colóquios ("escritores-sombra" lhes chamam), quem sou eu para lhe tirar a etiqueta. Mas que dispensarei ler os seus livros... isso sem dúvida.
Voltemos por fim ao cartoon: outros dos argumentos principais para alguns professores não aderirem a estas lutas dos seus colegas pelo emprego ( não, não foram só alguns professores do primeiro ciclo: na minha escola foram mesmo professores do Secundário... onde uns escassos 6% de "distraídos" acabaram por assegurar a prova aos primeiros 20% de alunos da lista) são os que esta mosca e esta abelha proferem.
A mosca que já é efectiva e com lugar cativo numa escola e que julga que por isso não será atingida pelo drama da mobilidade especial e/ou geográfica. É o que podemos chamar de argumento "Vistas curtas anti-solidário". Até poderia não ser visada, mas há milhares de seus colegas, contratados (os que restam) e até efectivos "dos quadros" que verão a porta da rua, fabricada à medida não pelo diminuir da procura como falsamente uns apregoam, mas por fabrico de condições ainda mais apertadas nas escolas em qualidade e quantidade por parte do MEC (aumento, novamente de nº de alunos por turmas, abolição não pedagógica ou didacticamente justificadas de algumas disciplinas, amontoado de escolas num mesmo agrupamento, que faz alguns professores correrem de escola em escola, por vezes a quilómetros para completar horário, até à apoplexia, um belo dia...). Conclusão: a mosca, é um insecto egoísta e de vistas curtas, pese os mil-olhos que lhe atribuem. Não vai além da visão da busca do próprio jantar, mesmo que ele se venha a reduzir cada vez mais a mero detrito do lixo, ou até a m****.
Quanto à abelhinha laboriosa: perora o argumento super-tonto, aliás baseado mas distorcido a partir de um verdadeiro. Ou seja, que os professores dão à sua profissão muito mais que as 35 horas semanais. Só não sabe isso quem tem cegueira ideológica e muito má vontade. Só que o facto de serem tão abnegados que se dispõem a isso até ao ponto da exaustão, sacrificando horas de sono, fins-de-semana, momentos com as suas famílias, não implica que os que os empregam ainda se julguem no direito de os sobrecarregar ainda mais e em decrescentes/ piores condições. Colocar o seu horário em 40 horas, como os horários do sector privado (muitos dos quais nem são de tantas horas, podendo adaptar), como LETRA DE LEI, é certo e sabido que se trata do primeiro passo para mais uma data de tropelias que serão feitas nas horas lectivas e não lectivas que os vão obrigar a permanecer nas escolas, até à insanidade e ainda com menos tempo para preparar o essencial, as suas aulas(investigar, ler, preparar materiais e sequências/planos de aula...) . Não, mais uma vez lembro que o essencial não são os Exames fugazes. Quem se lembra com todo o detalhe dos próprios exames que fez? No entanto há professores e algumas das suas aulas que nos marcaram que jamais esqueceremos pelo que nos ensinaram. 40 horas "oficializadas" agora, sem atender à especificidade da profissão e como se leccionar equivalesse a ensacar batatas (com todo o respeito por quem faz esses trabalhos mais mecânicos e também necessários) será abrir caminho para ainda mais arbitrariedades dos MEC futuros.
Aquela abelha do cartoon, outra com falta de visão "periférica" acha que o "horário de 40 horas" APENAS vem oficializar parte das horas que já dá ao país. Aliás o ministro, na entrevista de ontem já aludiu a essa sinuosa argumentação, com a vozinha aveludada que já não convence ninguém, como se estivesse apenas a regularizar algo... Ao não entender o que está em causa, a abelhinha não poderá vir a queixar-se mais tarde de novas sobrecargas de trabalho, do não ter tempo para nada, nem mesmo para o ensino e correcções, nem de estar a sofrer um AVC ou de o coração ceder e, com sorte, acabar num hospital. O seu argumento é o que se pode chamar, portanto, argumento "Tiro no próprio pé". Esta abelha obreira mais lembra antes uma "barata tonta".
Lembro também à abelhinha, caso seja do ensino Público, que os directores das escolas privadas já estão a querer oficializar para os seus escravos... digo, seu docentes, horários lectivos de 30 horas e tarefas diversas fora das sua especificidade profissional--- e não é "só" burocracia-- e diminuição dos limites salariais de topo de carreira, muito abaixo do legalmente estipulados. Está a ver abelhinha laboriosa? Hoje no privado. Amanhã um qualquer novo ministro de palavras traiçoeiras virá a querer impor a uniformização, também nisso, entre sector Público e Privado, não para melhorar condições nivelando pelo menos pesado, mas aplicando essas regras esclavagistas das escolas Privadas ao Ensino Público. Entende agora? Já vê para além da sua colmeia, do número de favos que constrói por semana?
Enfim, dona Mosca e dona Abelha, considerando que vivem no mundo limitado e confuso dos Insectos, estão parcialmente perdoadas. Ainda para mais vendo o destino muito próximo, de que vão ser afinal as primeiras a sofrer não a mobilidade especial, mas a "IMOBILIDADE eterna" patrocionada pela Dona Aranha, que bem vos enganou. Muito mais triste é saber que atitudes semelhantes estão a decorrer noutro Mundo, o dos Humanos, suposto seres inteligentes e desbravadores de mares e de Universos... essas maravilhas do Conhecimento que os professores tanto se esforçam por ensinar aos seus alunos...
Margarida Alegria (20-6-2013, in blog "Alegrias e Alergias")
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NOTA: sei que o grupo de insectos é uma ORDEM e não um "Reino", pelo menos no que lembro que me ensinaram de Zoologia (na Escola e em aulas de que muito gostava, apesar de ter mais queda para as Letras). Daí ter colocado as aspas no cartoon. O termo aqui é mais "literário" que científico. É que a palavra "Reino" lembra melhor as actividades sociais e a vida em comunidade que todos deveriamos desenvolver e melhorar... (M. Alegria)
Nota 2: Não esqueçamos que, no caso dos humanos, há mais hipóteses de redenção. As greves às avaliações continuam nas escolas, com imenso êxito e assim bloqueando o final do ano e a definição das avaliações dos alunos, antes de irem de férias. O MEC esse é que queria ir de férias depois das malfeitorias de Maio e Junho( novamente pelo Brasil? Ou pelo Chile?...) e não o poderá fazer.