quinta-feira, 28 de junho de 2012

Há mais engraxadores...

(C) Margarida Alegria /Junho 2012 ( Porto, Av. dos Aliados; foto de telemóvel)

Surpresa! Por estar de regresso e por o conteúdo do post ser muito menos fantasioso do que o  seu título possa sugerir.
Falo mesmo de "engraxadores", essa profissão em extinção, e não de "graxistas" essa característica que cada vez mais invade o mundo dos relacionamentos humanos.
Estes  outros são infelizmente assunto de imensos poste e transparecem nas notícias diárias.
Pois bem: há dias tirei esta foto, por algo que me chamou desde logo a atenção.
A profissão de engraxador, como disse acima e todos devem ter dado conta, estava a desaparecer. Mesmo no centro das grandes cidades, como é o caso, os que subsistiam viviam quase envergonhados e escondidos à "sombra"/entrada de alguns cafés, os tradicionais, que os outros já não aceitavam bem a combinação entre o cheiro a graxa e o  aroma dos  dinâmicos "capuccino" ou descafeinado.
Que me recorde, nesta zona do centro do Porto, nas últimas décadas, sobrava um, mais velhote, em estilo part-time para suprir alguma pensão, numa rua transversal. Ou até nem isso, pois à velocidade a que a fisionomia comercial tem mudado, tinham-se tornado invisíveis, os engraxadores. Para mais que não me apercebera se ainda existia algum, pois não  é serviço a que recorra pessoalmente, claro.
Ora as voltas que o mundo dá, em tempos de crise... Ao ver  o que está na imagem, não soube se me deveria animar pelo regresso das tradições, se deveria ficar confusa com o regresso na cápsula do tempo, ou se deveria arrepiar-me ainda mais pelo que perante mim comprovava o regresso da fome ao nosso País Livre já no século XXI.
Mas não era regresso no tempo. O café tradicional portuense, há umas décadas invadido pelo poderio da "McDonalds" lá estava para comprovar que continuavamos no Presente. O famoso  letreiro "M", imperioso, não permitia confusões. Os engraxadores antes sumidos, no entanto, lá estavam de volta, já sem acesso à sombra do café (os odores da pomada barata e dos 100% de suor viril, das  pobres cidades ibéricas de outrora, não se coadunariam com os odores modernos dos fritos e do 100% de carne de vaca, tão monotonamente universais nas cidades da próspera  Europa de hoje...).
Não era o tímido sobrante aposentado, nem talvez o seu herdeiro. Não era só um. Nem eram já dois. Nem tão pouco três, a famosa "conta que Deus fez". Contei, em escassa dezena de metros do mesmo quarteirão, da mesma fachada, QUATRO engraxadores a oferecer os seus préstimos. Ora contem (dois de cada lado do passeio).
Lado a lado com este regresso, outras "inflacções" por estas ruas: a da miséria,  a das lojas  tradicionais e célebres encerradas para sempre e sem aviso, a das fachadas entaipadas ou arruinadas. Conspurcadas com grafittis "modernamente" decadentes. E também a inflacção de mais pessoas a dormir no vão dos prédios, a de  mais pedintes repletos de chagas, em plena luz  do dia.
É isso que a fotografia testemunha. O que nela se vê e o que ela não captou. Numa manhã primaveril de Junho. Do ano de 2012. Século XXI no Porto, cidade da próspera  e democrática Europa que tantos  povos  distantes admiram.
No planeta Terra: o Planeta Azul que se diz habitado pela suprema inteligência de que há registo.  Planeta fértil, planeta de abundância. Entregue a estranhos habitantes aos quais  se costuma chamar ... Humanidade.
Margarida Alegria (28-6-2012, in blog "Alegrias e Alergias")

8 comentários:

  1. Será isto o "empreendedorismo" a que nos incentivavam os desgovernantes como opção à emigração? :(

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  2. Muito atenta! Talvez as pessoas recorram mais aos seus serviços para se apresentarem nas entrevistas de emprego impecáveis.
    nfelizmente, arrajarum trabalho está dificil, quem sabe não se trata do tal empreendedorismo de que falas?
    Já há tantos licenciados a voltarem-se para as hortas. estamos a recuar no tempo, parece-me. Algum dia vimos o Salazar a falar na televisãoou alguém com as suas formas de governo. Já nada me espanta. Não há futuro, estamos a buscar ideias ao passado. Já viste que é tudo 'vintage' e 'retro'? Pois, deve estar na moda, exgarxar os sapatinhos novamente na rua ou entrada do café. A seguir as mulheres vão para casa cuidar dos filhos, achas?
    Já nem sei que pensar.
    Um beijo e obrigado pela teu 'apanhado'. Muito bom!

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    1. Olá!
      Não me parece que haja aqui um aumento de procura, que justifica esta oferta de serviço.
      Pelo que pude observar então, nenhum estava a engraxar sapatos na altura(como se vê na foto), enquanto que dantes as pessoas quase faziam fila para os engraxadores ou estes engraxavam a quem tomava o cafezinho...
      Mas que há novas ocupações a ressurgir, como dizes das hortas, lá isso há.
      Todos buscam biscates e formas de ter um dinheiro extra ou de gastar menos e depender menos do que compra.
      Obrigada pelo elogio.
      Meteu-me impressão o ar improvisado daqueles estaminés de engraxador, que me pareceu renderem muito pouco...
      Beijos

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  3. Há muitos anos (muitos mesmo) ao lado desse 'Café Imperial' hoje ocupado pelo 'M', existia um estabelecimento (ou local) de concentração de engraxadores, onde os senhores comerciantes, industriais ou simples trabalhadores (essencialmente da área da banca e comércio), cuidavam do aspecto do calçado.
    Enquanto o engraxador tratava do calçado o cliente ia lendo o jornal, ou simplesmente mandando uns 'bitaites' de política e futebol.
    No final, e depois do engraxador tirar as protecções que impediam de sujar as meias (ás vezes brancas!), o cliente pagava sem antes ouvir o habitual 'anda hoje à roda. Deseja uma cautela?'
    Outros tempos.

    Hoje, é mais 'andar de baixa pela caixa' como diz a anedota.

    Tudo de bom.
    ;):)

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    1. Tem piada, aflores, eu tenho uma ideia dessa imagem. Vários engraxadores muito atarefados encostados á parede, ou à entrada dos cafés, num recanto próprio. E sempre sem parar!
      E muitos eram também cauteleiros, de facto. Há já também poucos cauteleiros a vender pelas ruas. Agora são mais os romenos a vender tiras de pensos.
      Quanto às lojas, chocou-me particularmente ver lojas como "O rei dos Queijos" com a montra coberta de papel e encerrada. Para não falar daquelas outras emblemáticas que já haviam deixado de funcionar.
      E estive para escrever aqui o nome do café apossado pelo MacD., mas não me lembrava se era o Imperial ou o Guarani, confundo-os sempre.
      Nada como ter uns visitantes atentos que ajudam a enriquecer e completar o que aqui se diz.
      Cumprimentos. Tudo de bom! :)

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    2. O Guarani ainda existe. É mais acima um pouquinho, lado esquerdo quem sobe a Avenida.
      Recordo que uma das vezes que lá entrei (ou tentei entrar), foi a fugir da polícia de choque :)))))))
      'Velhos tempos' ;)

      Mas a qualidade do café e dos 'galões' não é a mesma.

      Tudo de bom.

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  4. Sinais que uma certa crise, a que nos obrigaram, e que tem como consequência o reaparecimentos dos "ganchos" que permitem a alguns sobreviverem e sentirem-se úteis!
    Um grande abraço para eles...

    Beijinhos,

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    1. Pela actividade escassa que lhes vi (e era hora do almoço!), penso que deve dar apenas um complemento económico e mesmo assim magrito.
      Ou será apenas, como dizes, para se sentirem úteis.
      Beijinhos!

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