terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Aniversário

                                                           foto (c) Margarida Alegria, 2011
"INSCRIÇÃO
Quando eu morrer voltarei para buscar
Os instantes que não vivi junto do mar."
Sophia de Mello Breyner Andresen

Faz hoje  (dia 21) um ano que faleceu a "Hurtiga", nossa amiga Maria José Sousa. Quis a ironia do destino que, um ano depois daquele dia tão triste, se celebrasse o dia de Carnaval. Por questões essencialmente familiares,  hoje acabei por festejar o Carnaval, o que nem sempre faço. Mas nem por isso esqueci esta efeméride.
A Maria José/Hurtiga, professora estimada e de "primeira água" , blogger  de "estaleca" e verve precisa, mãe , esposa e filha dedicadíssima, teria decerto gostado de festejar este Carnaval, num ano em que ele foi oficialmente "proibido". De pronto descobriria a frase e a imagem certas para , no seu blog "Vade Retro", ou noutros em que participou,  qualificar mais este desvario dos "senhores" importantes de uma capital distante de um povo massacrado, neste país demasiado pequeno para pessoas de coração e gabarito  como os dela.
Não foi o coração que a traíu. Há sete anos que lutava, até sem muita gente em seu redor dar por isso, contra um maldito cancro, um linfoma "não-Hodgkin" que brincava às escondidas com a sua esperança  constante em encontrar cura. Quatro meses antes de nos dizer adeus, surgira finalmente um dador compatível de medula óssea, mas passava então uma fase mais debilitada que impediu o transplante imediato e atempado.
Até à  última, preocupou-se sempre com quem ficaria cá sem a sua presença, em  poder deixar alguns assuntos tratados, para não sobrecarregar ninguém.
Ainda guardo a sua última ( e longa!) mensagem  sms que terminava ..."Depois falamos!", numa atitude positiva perante uma evolução que pressentia não augurar nada de bom... E guardo no coração a  última palavra que me disse, no hospital, já com imensa dificuldade em falar e respirar. Foi "Obrigada." Isto depois de querer saber como EU estava! Mais uma vez, pensando primeiro  no atender aos outros...
Seleccionei a foto acima e aquele poema de Sophia, pois sei que o mar foi um lugar ligado aos seus momentos mais felizes e sem dúvida que à Zé faltaram muitos, IMENSOS! , momentos para buscar junto ao mar, junto  ao campo e às flores, junto à sua amada família, junto aos amigos, junto aos seus  acarinhados alunos (com quem se sentia ainda mais viva!). Junto aos livros. Junto à poesia. Junto a quem lhe proporcionasse uma das suas gargalhadas que, como já disse algures, acredito que hoje ecoe num outro mundo menos ingrato como este foi para ela nos últimos anos (de uma vida que tinha ainda tanto para dar). Foi a pensar nessa imagem que faço dela agora, que  ( no dia em que faleceu) fiz o retrato abaixo. Era para colocar uma foto, mas considerei que esta imagem preservaria melhor a sua identidade, neste momento e meio, embora esboçando uma semelhança da sua pessoa.
Conhecera-a há pouco mais de ano e meio, mas foi uma amizade que me marcou muito, primeiro online, depois em pessoa. Alguém com uma alegria e força de viver exemplares,  a energia de quem agarra os problemas de frente, mesmo que eles sejam muitos... e mesmo que também chore muito por dentro... ou até "por fora", quando o desânimo bate à porta. No entanto, era o bom humor que predominava e a capacidade de ver o lado engraçado em cada acontecimento, embora pontuando com "raiva" o que estava errado no Mundo. Tantas vezes que nos rimos até às lágrimas, em conversas para espantar tristezas! E foi com satisfação que vi que também a conseguia animar quando era preciso, especialmente antes ou depois de um remaldito dia de tratamento...  A Zé tinha dom de animar  encorajar os outros e aos seus problemas bem menos complicados que o dela. Mas ainda bem que me foi dada a honra de a conseguir encorajar e animar A ELA e de ter conseguido estar atenta aos momentos em que mais precisava de uma voz amiga. (mas claro que não foi só a minha, apesar de tudo e  felizmente).
Lamento, mas apenas posso falar do meu testemunho, do que consegui viver no privilégio que foi a sua companhia, tanto à distância como em momentos mais vivos e próximos.Não estou a falar de mim, mas sim do que ela me ensinou.Faço-o da forma e do modo que sei e consigo. Se quiserem, usem esta caixa de comentários para uma homenagem simples que mais uma vez lhe estou a tentar fazer.
Outros que falem por si. Mas não me  critiquem ou impeçam a mim de expressar como bem entendo as memórias que quero preservar dos que me são queridos. Este blog é da minha responsabilidade, em princípio ninguém poderá eliminar este meu testemunho. Porém, uma coisa garanto: mesmo que alguém o fizesse, tenho todas estas palavras e momentos gravados no coração e  na memória  e daí ninguém as pode... "extirpar" (já que é palavra em voga!) . Há quem tente, há quem até julgue que conseguiu (noutras ocasiões) mas a Amizade e a memória --de quem as tem e  de quem as tenta preservar com orgulho e carinho --JAMAIS serão apagadas, truncadas, invejadas e vilipendiadas de forma  desvairada e ignóbil! :(
Não te aflijas lá na tua nova casa,  querida amiga"Hurtiga":
ESTE é um espaço de Liberdade e aqui  cabem todos : tu, todos os amigos e quem vem por bem, a palavras que mereces que te diga e  (mais ) um post onde és celebrada por quem te tem gratidão.
Ensinaste-me a ver o fundamental em muita coisa. Foi de facto uma HONRA conhecer alguém especial como tu, embora por vezes pouca gente te valorizasse como devia. Valorizaram-te e acarinharam-te os que queriam mesmo bem, pessoal e profissionalmente, e isso é que foi importante. Ainda bem que exististe, mesmo que  em vida breve. Ainda bem que te conheci, embora não por tanto tempo como a nossa amizade merecia e ainda hoje me revolta como partem pessoas excelentes como tu e ficamos no meio de tantos "fantasmas" (e de novo Sophia) que se arrastam por aí sem rumo e sem o sorriso e a alma aberta à Vida como tu fazias!
  Portanto, há um ano e dois dias disseste-me "Obrigada."...  Mas... não tens de quê, Hurtiga, pois quem te agradece sempre somos nós, pelo que aprendemos  e vivemos contigo.
Todas as palavras do mundo falham, mesmo assim, para exprimir as nossas saudades.
Por isso  não me cansarei de repetir uma e outra vez: "Obrigada eu, querida Zé!".
Margarida Alegria, 21-2-2012 (in Blog "Alegrias e Alergias")

(c)Margarida Alegria, Fevereiro de 2011

11 comentários:

  1. E claro que vou tentar continuar a viver cada dia de forma útil e feliz, como a Hurtiga o faria.
    De nada serve pormo-nos "de trombas" a clamar luto exagerado pelos nossos, se de aí nenhum crescimento vier.

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  2. Muito lindo e sincero o teu texto Margarida.

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    1. Obrigada, Magalhães.
      a "Hurtiga" é que era uma pessoa linda. Espero ter conseguido fazer-lhe justiça com esta homenagem e deixo aqui o espaço aberto a quem quiser comentar e dar o seu testemunho pessoal sobre ela. Embora saiba que tal tem sido difícil/impossível a quem não tem G-mail.

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  3. Tive o meu blog aberto umas horas, na tentativa de escrever algo, mas ainda não consigo!!! É bom saber que alguém tão especial é recodado(a), como eu sei que o é!!! Beijinho, Margarida

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    1. Como compreendo essa hesitação, Inês! :(
      Ontem já tinha o texto começado, mas andei às voltas, fiquei até paralisada, eu que até consigo fazer deslizar palavras para o papel com alguma facilidade... Tudo em que pensava não era suficientemente simples e quando era simples não era ao mesmo tempo esclarecedor sobre a grandeza da Zé.
      Ainda por cima estou meio engripada e as dores de cabeça e olhos não facilitaram...
      Mas pensei no que devia dizer à Zé e ao mesmo tempo despertar a curiosidade a quem não a conheceu. E atirei-me de cabeça à mensagem, agora reconheço que com algumas repetições e estrutura um tanto errante, correspondente aos músculos e à cabeça doridos.
      É recordando-a que ela se manterá viva, como merece, de tão espscial que era.
      Beijinho, Inês.

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  4. Não conheci a colega. Chegou a sua hora, mas sei dar valor ao sofrimento que causa a perda de um ente-querido. Paz à sua alma.

    http://www.youtube.com/watch?v=2bosouX_d8Y&feature=related

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    1. Muito obrigada!
      Os entes-queridos devem ser acarinhados, tanto neste mundo como no outro.

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  5. Um post lindíssimo que nos toca cá dentro!
    Foste muito linda em prestar-lhe esta homenagem.
    Tenho a certeza que estrá a sorrir ao ouvir-te e a dizer-te mais um comovente "Obrigado!"

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    1. Muito obrigada, mfc.
      Já não é a primeira homenagem que lhe presto, mas antes foram em outro blogue, onde era apenas colaboradora.
      Infelizmente, há poucos meses, verifiquei que um post (mais bonito e poético que este), que lá colocara por altura do dia em que a minha amiga faria anos, veio a ser apagado ...O post esteve lá meses, mas, nalgum serão de negrume e delírio, foi assim "vandalizado". Apagaram o texto mas mantiveram a foto tirada por mim, com a Zé a apagar as velas do bolo do seu último aniversário... Atitude inqualificável, não sei se por inveja ou por raiva de quem não se lembrou dessa data.. Porém, tendo em conta a mente altamente perturbada de quem assim agiu, dou o desconto. Agora, com o meu próprio blog sinto-me perfeitamente livre de surpresas desagradáveis dessas, que foram constantes por quase dois anos...
      De qualquer forma, sei que a Zé conhece todas as palavras, mesmo que apagadas.

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  6. Como o tempo passa tão depressa...nem acredito que já tenha um ano...
    O importante é que sua partida não foi em vão. As campanhas continuam, mesmo que poucas pessoas decidam fazer doação.
    Fizeste uma linda homenagem à Maria José. Bjksss, amiga!

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    1. É verdade, Beth... já um ano!
      E tens razão, amiga. Casos como o dela ajudaram a abrir os olhos de muitos para a urgência da doação de medula. E como ele fez tão generosamente tanta e tanta campanha pelos pequenitos e mais crescidos que , como ela, precisavam de transplante. Uns conseguiram e estão agora aí, de volta à saúde. Outros partiram como a Zé, infelizmente. E como ela ficava radiante para toda a semana de cada vez que um menino conseguia dador! Era como se fosse seu próprio filho/filha! Era comovente!
      A Zé acreditava mesmo no dar e receber. Por vezes demais, pois se esquecia da prioridade de concentrar mais na sua própria saúde.
      Mas deixou muita gente, incluindo antigos alunos, que até hoje jamais a esquecem.
      Obrigada pela visita, querida Beth! Bjokas!

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