terça-feira, 10 de julho de 2012

O lado das sombras do Solstício

(Este post foi iniciado, mas não concluído no dia do solstício de Verão , de 20 para 21 de Junho passado. Não faz mal. Passado  quase um mês, tenho novos elementos e sensações a acrescentar...)
Dizem que o Solstício do Verão dá início ao dia mais longo do ano.
É esse dia que marca o Auge de força da Estrela que ilumina a Terra, o Sol.
Menos se divulgou que o dia do Solstício, por outro lado, pautava também outro Auge: o Auge da Terra, o dia em que todo o planeta que habitamos dá o melhor de si, está na maior plenitude e fase de força.
Assim, terá sido o dia em que todas as sementes lançadas terão germinado mais velozmente, todas as árvores terão visto o estender dos seus ramos com mais nervo, todas as  flores terão brotado com mais viço e brilho.
O Sol, esse, terá expelido ainda mais calor e chama sem se fazer rogado, convidando assim a Natureza a se lançar num inigualável Hino à vida que à maioria dos seres humanos terá passado despercebido.
Posso imaginar que  também todos os animais, desde o humilde verme no húmus terrestre, até ao solene elefante, desde a colorida borboleta que dura um dia, até ao antílope elegante, desde o pequeno  e irrequieto colibri que suga o néctar das flores ao condor que voa nas altas montanhas, desde o peixito do lago até ao tubarão feroz do mar alto, todos terão cumprido, nesse dia,  o seu ritual de energia e de entrega à vida, com o que tem de inominavelmente belo mas também com o que é de inevitável luta pela sobrevivência.
Só não sei dizer que papel terá tido, nesse dia e em todos os que se seguem e que são mais longos, o Ser humano e os seus exemplares que julgam dominar essa mesma Terra.
Hoje, mais um dia de Verão, nem o sol que brilha num límpido azul me traz consolo. Os seus raios roçam-me a pele, mas têm impacto igual ao  rotineiro vestir de uma blusa gasta. O vento, que sopra forte e que modera o calor, não me traz hoje aromas de maresia, ou das flores, ou sequer de relva húmida. Os cantos nervosos dos pássaros não parecem alegres, apenas agitados e melancólicos concorrentes aos gritos ritmados das gaivotas e ao rolar dos carros de motores mais ou menos roucos. O silêncio que escuto vai sendo entrecortado por discussões inabituais nas ruas.
Hoje, mais um dia de Verão, mas que ainda não sinto como Verão, tento saborear frutos da época, de polpa carnuda e coloridos. Mas não me trazem o sabor dos campos, o amadurecer dos dias nas árvores, a doçura da Terra-Mãe. Devem ser saborosos, suponho, mas lembram-me apenas  a necessidade de me alimentar e o vertiginoso do comércio em caixas, os 23% de IVA implacáveis...
A água refrescante que engulo apena e mata a sede, mas não me traz a esperança das fontes e serranias.
Tento olhar e contemplar o que há de belo.  Anseio destrinçar apenas o que é belo. Mas parece que só reparo no que está a ser destruído. O jardim público é bonito e agradável, mas cortaram verbas nos jardineiros que o mantinham bem cuidado. As árvores são imponentes, mas a qualquer altura pode vir um autarca que as detesta e  manda cortar, por achar que destroem a regularidade dos passeios. A praia é bela, mas sempre paira a ameaça da onda que venha a trazer espuma amarelada pelos petroleiros que imperam na economia. As crianças que brincam, já em férias, são belas e inocentes, mas já vislumbro nelas a maldade  e a frieza que tantas acabam por desenvolver em adultas.
Tento tocar no que ainda parece genuíno: a pedra áspera do murete, a folha  lisa da árvore, os picos  matreiros dos cactos. Mas só me trazem a aspereza, a lisura, o "ai" de ser arranhada. Não trazem nem a montanha, nem a floresta, nem sequer o deserto para a minha beira.
Tento outras realidades: o jornal, a TV, as notícias do Mundo. Nem cá dentro, nem lá fora. Só intransigências ("nem mais tempo nem dinheiro" porque queremos parecer bem, a velhinha presa por roubar uma lata de atum para comer, o rapaz bósnio que testemunha a família massacrada, uns matam, prendem, magoam outros...), só guerras sem fim( genocídio na Síria, bombas aqui e ali, fome, pobreza, loucuras várias...).
Tento desligar e interiorizar: mas os ouvidos em mim, os meus olhos abertos e atentos, a minha pele, todos os meus sentidos, parecem falhar esse auge da Terra que tanto queriam sentir.
Mesmo a parte da Humanidade que me deveria estar mais perto e à qual sei que tento dar uns raios do meu sol "particular", me  parecem distantes e indiferentes...
Tudo o que a Terra e o Sol dão, parece que os Humanos tratam de estragar e tirar uns aos outros, respondendo a tanta generosidade da Natureza, com a Cobiça, a Ganância, a Injustiça e a Ingratidão em que são "peritos".
Solstício de Verão: dia que marca o dia mais longo, o Auge e plenitude do Sol, o Auge de generosidade da Terra.
Só falta mesmo podermos celebrar nesse dia o Auge da Humanidade: o Dia em que os seres ditos Racionais deste Planeta dêem ao mundo tudo o que têm de melhor dentro de si, o dia em que deles brote a Paz, a escolha da Verdade, o entrelaçar  de Ternura e de Felicidade que faltam para que este "Solstício" seja genuinamente Universal.
(Então, comemorarei esse Solstício com Alegria.
Por ora, resta-me ir encolher ali num canto e suspirar... esperando que mais um dia de Verão atípico finde..).
Margarida Alegria (10-7-2012, in blog "Alegrias e Alergias")

2 comentários:

  1. Um hino à Natureza a aos seres humanos apesar dos seus senões.
    que bela leitura para retemperar forças e legrarmo-nos com a pertença a este Planeta
    Um beijinho e parabéns pelo discurso fluido e animador.
    Continua as tuas odes, dão alento...
    Um beijo.

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    1. Obrigada. Saiu um Hino um tanto triste, mas é o que penso e sinto em relação a isto tudo. Temos um sistema solar e ua Terra que nõs dão o que é melhor, quando comparamos com a aridez de outros planetas conhecidos. E que dá o Homem em troca? destruição, poluição, fome, guerra, desprezo e agressão à Natureza.
      E nem sequer com a sua própria espécie é justo e digno!
      Um beijo

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