quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

LIVROS: "a Invenção" e o Cinema, Capas,Cobertores e versões

("A Invenção de Hugo Cabret", de Brian Selznick,Capa das primeiras edições portuguesas, 2008)
Não tenho por hábito recomendar livros, aqui no blogue, embora "viciada" neles. Talvez seja essa mesmo a razão: apesar de gostar que os outros leiam e de ter tantas vezes a missão profissional de falar sobre livros, motivar para a leitura, deve haver um desejo profundo mais irracional de que fiquem todos só para mim, de que , se os outros também se tornarem leitores compulsivos, os livros se possam vir a esgotar nas livrarias e bibliotecas e que assim se acabe o "fornecimento" desse meu vício, desse  meu mais que tudo alimento espiritual. Nããã... não é bem assim, na verdade o blogue ainda é muito recente, tem tido muito assunto da actualidade para comentar e raramente sobra tempo ou paciência para falar do que aqui gostamos de ler.
Pois bem, vou abrir forte excepção, desde que ontem vi as notícias na TV, e recomendar não um, mas até dois belos livros, exclamando: CORRAM JÁ PARA UMA BOA LIVRARIA ANTES QUE SE ESGOTEM!
Um deles, talvez a arrebatar com a maior urgência, é o "A Invenção de Hugo Cabret", de Brian Selznick, que agora vê a versão cinematográfica de Scorcese com várias nomeações para os Óscares 2011/12. Ah, dirão descansados os caros leitores, mas o filme vem já aí em Fevereiro e não  faltarão os exemplares na Fnac e tal e coisa... POIS É EXACTAMENTE POR ISSO, acrescentarei eu! Para já, nos próximos dias, ainda poderão descobrir algum exemplar perdido das primeiras edições originais , já em Português desde 2008 (?). Li-o e recomendei a amigos há un dois anos e foi "tragado" mesmo por quem não é leitor habitual de ficção.
Quando chegar a versão patrocionada por Hollywood já será tarde demais, embora o filme, pela amostra rápida que vi, me pareça uma versão fiel ao livro... só que não é a mesma coisa. Será tarde demais pois virá com daquelas capas HORROROSAS baseadas em  fotogramas do filme, que transformam em... "pastel de nata" achinesado e liofilizado as anteriores capas de artista das edições primeiras (aliás, na promoção recente do livro no "Wok" já lá está a capinha cinematográfica da praxe...). Poderá ser apenas uma capa dupla a envolver a original, mas ... também não é a mesma coisa. E neste caso é também provável que até lhe adulterem o título, igualmente por questões de marketing. O título é "A Invenção de Hugo Cabret", mas Scorcese chamou-lhe apenas "Hugo" e os distribuidores portugueses vão chamar ao filme "A Invenção de Hugo". E um nome de sabor mais latino, entre o Francês e o Catalão, que soava "Huugô Cabrê" na nossa imaginação (a acção não podia ser mais no coração de Paris do início do século XX), aí está a ser pronunciado pelos hollywoodeanos da nossa praça como um anglófono "Hiúgou"... e, quem sabe "Cab-rát" ou até "Quei-brat".
Que destruam a pronúncia. mas não adulterem a capa, que tão bem se conjuga com a época histórica e com a ideia de invenção! Como vêem acima, tem algo do estilo das tradicionais capas de lombada de couro dos livros de aventuras de Júlio Verne. Parece um bocado anacrónica, é certo, mas também ela contribui para que  o livro, como um todo, transmita também graficamente a sua mensagem. 
A tendência quer mercantil da associação a outros produtos, quer preguiçosa e economicista (leia-se avarenta) dos editores dispensarem tantas vezes os ilustradores de capas, há-de-ser, espero bem, moda das últimas décadas que irá passar. Aliás, no Reino Unido já está a passar, voltando as edições, quer de luxo quer de bolso com capas exclusivas e artísticas, mesmo que aparentemente simples, jogando com a simbologia e grafismo das letras, por exemplo. Por cá, tanto na ficção como na não ficção  e salvo honrosas excepções, impera para já aquela do "Ah... sobre esse tema pesquisa-se no Google images, nas Getty Images... ou então há um quadro clássico do pintor X, não sujeito a direitos de Autor, que se digitaliza, focando-se um pormenor e--- está feita a capa!".
O livro, por uma vez uma boa opção presente nas recomendações para alunos do 3º Ciclo , pelo Plano Nacional de Leitura ( ao invés do excelente "História Geral de Piratas" que NÃO é um livro de aventuras juvenil mas um relato fiel e sanguinário da pirataria e da perseguição aos  piratas, por amor da Santa!) faz-nos redescobrir os primórdios do Cinema e os mistérios que rodeiam o desaparecimento dos filmes do igualmente enigmático Meliès e consegue-o num romance para todas as idades que tem muito de novela gráfica e até de cinematográfico. 
À primeira vista, podem assustar-se com a espessura do volume, aparentando umas 500 páginas. Na verdade, lê-se num ou dois serões. A volumetria deve-se ao que de muito original tem a obra: com belíssimas ilustrações a lápis de carvão,  essas ilustrações não servem apenas para ilustrar, no sentido tradicional de transpor em imagem partes do texto, mas FAZEM PARTE intrínseca da narração. Por isso disse acima que havia algo de Novela gráfica neste romance. Um  breve exemplo: o personagem central, Hugo, entra num determinado espaço desconhecido. O texto conta isso, mas, de repente, em vez de nos descrever , por palavras, o abrir da porta, a entrada, os sentimentos (medo, ansiedade, etc) do adolescente, VEMOS isso na imagem, sem palavras, com ilustrações a encher ambas as páginas(várias páginas seguidas!),  a porta a entreabrir-se, um primeiro plano da cara de Hugo... e por aí fora. Para entender melhor, espreite AQUI um post com UNS VIDEOS/animações  que estão no Youtube,  com sequências de imagens do livro, para promover o mesmo  aquando do seu lançamento (?). E leia a boa sinopse do livro feita no blog "Porta-Livros", AQUI.
Por tudo o que acima explico e ainda por outras razões que lhe apeteça, vá já a uma BOA LIVRARIA tradicional (nada de compras online, senão arrisca-se a apanhar com o tal "pastel") e procure nas prateleiras mais escondidas, insista com o livreiro em desencantar um exemplar ("ameace" ir procurar à  concorrente gigante, a fnac... Já recorri a isso certa vez, na alternativa a encomendar que me procurassem um livro noutras dependências da Bertrand, porque esse outro livro estava esgotado etc e tal... o livro foi encontrado algures em três tempos!). A "Invenção de Hugo Cabret" é um livro muito especial, inclassíficável.
O outro livro que recomendo é uma novela gráfica.
Já é um clássico dos nosso tempos no género, embora apenas de 2003.
A minha chamada de atenção deve-se ao anúncio da sua edição em Português (finalmente!), há dois dias, no "Público". E mais uma vez o meu alerta vai para que o  tentem (também) adquirir em Inglês, não só pela questão de se perder sempre um tanto na tradução, mas também por questões de capa. Ora vejam a capa original:



("Blankets", de Craig Thompson,  ed. Top Shelf,2003- capa da edição original em Inglês)

Não vou contar a história (se quiserem tem AQUI a SINOPSE da Wikipédia). Apenas revelo que é a descoberta do Amor e de uma voz própria da personagem central (de cariz auto-biográfico),Craig, que cresceu enformado numa religiosidade doentia da família e de como foi doloroso o seu percurso de perda de Fé (o que tantas vezes acontece, a tanta gente, quando a Religião é um espartilho de normas e não uma semente de Liberdade). É também sobre a amizade, o Amor e de como até este é ilusório, tantas vezes. Revelo também que os blankets/cobertores do título evoca as brincadeiras de criança de Craig, quando(como muitos de nós já teremos feito)  brincava com o irmão sob um cobertor , imaginando  serem náufragos no mar alto,  exploradores da selva ,ou noutras situações de aventura inocente de miúdos.
A obra está num belo preto e branco, numa delicadeza, sensibilidade de enredo e de traço que é verdadeiramente tocante, que não deixa ninguém indiferente. Vejam  a capa acima: um momento fulcral da história, com os dois amigos descentrados na imagem, numa floresta de Inverno.
Pois bem. Vejam agora como é a capa da versão portuguesa, da  editora "Devir":
                 ("Blankets", de Craig Thompson. Capa da edição portuguesa, 2011, ed. Devir)
Que me lembre-- e nem li o livro há muito tempo-- não há nenhuma imagem dos dois amigos (não adianto mais se eram só amigos, eheh... mas esta capa pode baralhar) assim a enregelar num fundo AINDA MAIS invernoso!
É nitidamente uma montagem, ainda por cima acrescentando alguma cor, o que não era necessário, com uma das vinhetas do livro plasmada no exterior. Pergunto-me se o Autor autorizou a capa e se foi ele a fazê-la. Talvez sim. Mas é uma imagem que se destina, um tanto à portuguesa,  a espicaçar algum tipo de leitores macho-men, que às tantas  até ficarão desiludidos, depois de andarem a contemplar as "coxas desnudadas da moçoila...zz" da capa! Como diria também o tal diácono Remédios, "não havia nexexidade- Z-z--!", não que me choque ou veja mal na imagem em si, mas porque precisamente desvia (a atenção do leitor) do mistério e sobretudo da profunda SOLIDÃO  tímida que perpassa em toda a obra.*
E, numa obra essencialmente gráfica, mas também em obras não apenas gráficas,por tudo o que relatei acima,toda a opção na criação do livro, --desde a escolha da letra, à construção da narrativa,  passando pelas  categorias da narrativa, a escolha de cada palavra, as ilustrações, o papel e... a capa-- TUDO é importante, tudo AJUDA À MAGIA...
(* aliás, por comparação, vejam as capas das edições em outras línguas, no link da sinopse, que deixei acima... )
Margarida Alegria (26-1-2012, in Blog  "Alegrias e Alergias")

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